Historicamente, o conceito de sociedade veio vinculado à ideia de 2 pessoas, pelo menos, assumindo entre si direitos e obrigações instrumentalizados em contratos disciplinadores da cooperação. [1]

O quantitativo de contratantes sempre figurou, numa visão mais clássica, como elemento do contrato de sociedade.

Contudo, o conceito de sociedade evoluiu a ponto de se reconhecer a possibilidade de criação de um novo sujeito de direito – a sociedade – por ato unilateral, e não necessariamente bilateral ou plurilateral.

Nesse sentido, passa-se a admitir que a sociedade – dada sua natureza de negócio jurídico – seja criada a partir de declaração unilateral de vontade tratando-se, assim, a sociedade unipessoal de uma realidade, inclusive prevista expressamente no ordenamento jurídico brasileiro. Além da unipessoalidade temporária (art. 1.033, IV, CC), da subsidiária integral (art. 251, LSA), da empresa pública e da sociedade unipessoal de advocacia, instituída pela Lei 13.247/2016, recentemente foi introduzida no direito positivo a sociedade limitada com um único sócio.

Seguindo a evolução legislativa no direito comparado, em 20.09.2019 foi publicada a Lei nº 13.874 que, ao instituir a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, alterou alguns dispositivos do Código Civil, dentre eles o art. 1.052 com a inclusão dos parágrafos 1º e 2º. Vejamos o atual texto:

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

§ 1º. A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas.

§ 2º. Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.

Como todos sabem, a sociedade limitada tem como característica a limitação da responsabilidade dos sócios pelo valor de suas respectivas quotas, mas respondendo todos, solidariamente, pelo montante necessário à integralização. Uma vez integralizado o capital social, não há responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade. [2]

A respeito da unipessoalidade, o DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – já havia divulgado a Instrução Normativa 63, de 11.06.2019, considerando os termos da MP 881, ou seja, os órgãos de registro já vinham sendo orientados sobre os procedimentos no arquivamento dos pedidos de constituição e alteração do contrato social.

Assim, dispõe a Instrução Normativa que a sociedade limitada unipessoal (i) deverá adotar, como nome empresarial, o nome civil do sócio único de forma completa (podendo ser abreviado o prenome) acrescido da expressão limitada, por extenso ou abreviada; (ii) o ato constitutivo do sócio único observará as disposições previstas na lei para o contrato social da sociedade limitada; (iii) as decisões do sócio único deverão ser consolidadas em documento escrito, dispensando publicação, exceto em caso de redução do capital social quando excessivo em relação ao objeto da sociedade; (iv) na hipótese de falecimento do sócio único, a sucessão dependerá de autorização judicial enquanto não concluída a partilha ou a escritura pública de partilha de bens, a exemplo do que ocorre em relação ao herdeiro do titular de EIRELI; (v) sua extinção se opera pelo distrato do contrato social. Importante deixar claro que regras quanto a capacidade e impedimentos para ser sócio se mantém, obviamente, na forma prevista no Manual de Registro da Sociedade Limitada. Aliás, o Manual está atualizado até a IN DREI 63, de 11.06.2019.

A partir de tais premissas mostra-se evidente o interesse que a alteração legislativa desperta nos empreendedores que optam por exercer atividade econômica como único titulares do negócio, não só por conta da limitação da responsabilidade, mas principalmente pela ausência de obrigatoriedade de capital mínimo, ao contrário da EIRELI que exige capital social mínimo de 100 salários mínimos integralizado à vista. Por ora, convivem a nova figura da sociedade limitada unipessoal e a EIRELI que, não resta dúvida, foi impactada e perde sua maior atratividade. Aliás, a Lei 13.974/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, também trouxe acréscimo à disciplina da EIRELI, incluindo um parágrafo no art. 980-A do Código Civil cuja redação explicita a autonomia patrimonial nos seguintes termos: “somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude.”

Certamente que o efeito prático, distorções e dúvidas procedimentais ainda se farão sentir nos próximos meses, mas a efetiva preocupação do legislador em promover medidas de estímulo, desoneração e facilitação ao exercício da atividade econômica tornou-se visível desde a aprovação da Medida Provisória 881, de 2019.

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Notas:

[1] ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Saraiva, 1969, p.256

[2] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa. São Paulo: RT, 2017, p. 389

fonte: https://ibijus.jusbrasil.com.br/artigos/789510442/sociedade-com-um-unico-socio-e-com-limitacao-da-responsabilidade?ref=feed